I – Cabra
17 horas, batem os sinos nos céus escuros de Coimbra.
Caminho sobre as suas ruas de nevoeiro, entre poesias,
ilusões e asfaltos, mergulhando-me sobre o invés do pensamento. Um manto branco
grita-me dentro da minha própria cabeça, e sem lhe sentir qualquer calor nesta dança de vultos
anónimos na função de um relógio manipulado pela rotina, partilho os meus pés com
a calçada em busca de algo que se despediu.
“A neve nunca mais chega” - penso. “Ela nunca aqui chegou” –
concluo-o, enquanto me deixo a pensar numa esquina distante do alcance dos meus
olhos. “Já ali não estou”, me seduz a mente enquanto olho-me pelo silêncio, a respeito de
perceber a verdade anónima no rosto de todos os que se cruzam comigo.
Dispo-me pelas ruas estreitas sem as minhas asas entenderem
o seu verdadeiro valor. Tentam voar, prendem-se ao asfalto, amarram-se aos fios que lhe
fazem céu.
Nada com rosto me é sublime. Dou-me à arte de paralisar a
olhar o céu enquanto todos eles passam por mim de olhos para o chão. A chuva cai,
e eu sinto os teus carinhos a bater no chão sem os poder agarrar, apenas os
reter pelas roupas e pensar que eles fazem parte das minhas fantasias da neve. Nas minhas mãos não existem
tais reinos.
- “Porque caminham eles ainda mais rapidamente agora?”, pergunta-me a cidade.
- “Foram-se de vez. A baixa é toda minha…” respondo-lhe, impondo-lhe os meus medos.
(Na verdade continuam todos ali, já não nos conseguimos ver…)
II – Mondego
Sento-me de volta das suas sabedorias para perceber as
inquisições das suas brisas. Nada me diz, mas tudo lhe entendo. Supostamente a
sua liberdade era respirar e cavalgar as margens para nos tocar os pés.
"Nunca aqui estivemos, porque me roubas sonhos quando nunca aprendeste a ver quem sou?", diz-me o Mondego.
- “Eu nunca quis roubar-te nada”, respondo-lhe sentado sobre a
margem mais distante dos seus pensamentos. - “Muito menos perceber essas velas
que o tempo me foi deixando na sepultura. Eu nunca quis ser nada!”.
Ao que ele me responde: - “Atrás deste sol que se despe a beleza reinará num sorriso
de um “tu e eu” dançando pelas ravinas recheadas de serenatas belas. Os nossos pés são
escorregadios, relembra-te.”
"Ela nunca te viu!", grito-o sem alma vendo-o partir.
...
Sentei-me perto do seu fim, para melhor lhe dizer adeus.
Por instantes não soube o que era conter as lágrimas. O rio
chamou-me infiel.
