Em honra do vento e em nome da sua irmã mais velha, a morte sintonizada.
Segundos, setas previsíveis, mas sempre certas, ferem a minha pele pois delas nunca fui capaz de me desviar.
Furam-me os pulmões, mas só depois de já os terem furado, e deixam-me pela tua mão a afogar-me no meu sangue antes de ser arrastado pelos cabelos sem deixar marca na areia, e de me ver, onda após onda, me esconder dos teus olhos presos no nevoeiro.
Assim começa a história das Serpentes que se erguem, nesta brisa coagulada.
Talvez sejam as banheiras que escondemos atrás de paredes erguidas em nosso redor, e que tanto teimamos em chamar casa, com todo o luxo da pavimenta e azulejos banhados a sangue pelas sombras do que ainda nos resta fazer, a maior fractura que os nossos caminhos teimaram em mancar.
Escorremos as águas de hoje, limpamos a dor de ontem, mas ficamos com as cicatrizes para o amanha. Escondemos-nos nas roupas e prendemos-nos à dor julgando ser manequins. Expostos, mal vistos, repostos.
Drenam-se as águas vermelhas, mas as marcas na pele, as cicatrizes ou cortes frescos, não são mais do que pequenos gritos de nós, do nosso interior, a tentarem fugir da tragédia que a cada dia nos vamos tornando.
Até quando somos dignos de os travar?
E quando me desfaço numa poça de sangue? Naquele velho jogo de linhas sem nomes, nem vontades de ser, e parte de mim encontra-se com o outro lado? Aquele que não deveria de ver, até ao fim chegar?
Decomposto, bem composto, demasiado belo e podre, bem à semelhança do reflexo do mundo de vivos, ensinam-nos que somos irmãos até ao dia que um morre, e o outro, de alguma forma começa a viver.
A morte não precisa de razão, apenas de dois braços sobre o amanhecer.
Sepultamos a montante da dor, aquela dentro de nós, enquanto enviamos todas as forças para a foz de algo que nunca seremos capazes de entender. E como amarras à carne, criamos crianças felizes até ao dia que as vemos suicidarem-se nos sonhos das coisas que não podemos ser capazes de prometer.
O mundo tornara-se-lhes uma palavra feia, tão feia que nem o um manequim feito de crueldade se atreveria a vestir os pensamentos que nós, humanos, teimamos em vestir.
Restam essas amarras, e tronos de futilidade que teimamos em erguer. Reis coroados antes de se entender, acabam por se curvar com o peso da coroa de todo o mundo que se asfixia na negação de duas asas que nunca vão bater.
Diante da morte, desta vez, ela canta a brisa do anoitecer.
Ouve o anoitecer, uma vez, porque quem te abraça será como uma sombra silenciosa.
Ligam-se sirenes, e socorrem-se a angustia de todos eles que me vão teimar em internar.
E a cova? Funda e escura como a alma de quem a cavou, já viu os sinos dobrados? Aqueles que entoam muito antes do vento que me guia ter oportunidade de trazer.lhe o som até mim?
Comportam-se como se eu tivesse medo de flores, velas e anjos de pedra. Esquecem-se que essa foi a casa da minha tranquilidade quando o sufoco vestia-se de ruído, violência, e centenas de nomes que me recusei vestir.
Quem ali descasa viu o fim desta vida. Ao contrário daqueles que lá caminham que desmaiam e nada do como vão poder trazer.
Amarras são sonhos que ficam do lado de dentro daquilo que nos julgamos ser. Pequenas barreiras, grandes fronteiras, são atadas.
Mas não há fronteiras no mundo que foram construídas pelas árvores, mas muitas delas são feitas pelas folhas que delas arrancamos. O fruto do isolamento parte sempre da planta mais venenosa que floresceu da natureza: nós mesmos.
Regressem a cantos, porque se escreve do fim para rei ver. Regicídio entoado pelas nuvens, decapitado anjos e fazendo do céu azul o maior cemitério que os nossos olhos poderão algum dia olhar. Estamos presos à terra onde apodrecemos, mas com os olhos em algo que não fomos feitos para tocar.
Abrimos esta dinastia, aguçada na ponta da espada onda ainda escorrem restos de esperanças, para abrirmos a cabeça daqueles que de nada podem acreditar em nós.
Até quando podemos os fazer acreditar que é a Terra que gira à volta do Sol?
Somos a lua, somos ato menor.
Um dia ensinam-me a escrever. A caligrafia que usei enquanto criança para escrever os meus sonhos é a mesma que escrevo sobre as minhas vontades de morrer. Esta é a caligrafia que nos ensinaram, mas esta também e a alma que julgamos ter.