Um pé do outro lado do reflexo
Rezo a uma mão sobre joelhos pesados, diante dos espinhos deixados para trás, dedicado à honra da dor pálida do meu encanto momentâneo pelo sonho trivial de respirar. Deixo-me nas mãos deste resto de rosa morta, monótona e egoísta na certeza de um monumento dedicado à solidão despida no varão, das palavras que se rasgam em mil trapos imundos, na poesia perdida nas gavetas do fundo da nossa imaginação, com os restos do que pintamos a sangue nas roupas deixadas para trás em silêncio e entregues pelos anjos às mãos dos sem abrigo do pensamento dos outros.
Sei-me porque me perco pelas ruas frias onde mendigo o meu existir, e pelas montras onde vos expõem a preços que não são para o meu coração suportar. Embacio-me como vidro para vos ver, entrego-me aos estilhaços deste espelho esquecido no chão onde estão todos distorcidos de mais para vos amar. Parecem todos belos como certezas de manequim de boa vontade, dotado do aparente belo olhar. Só sabem cravar espinhos a saldo, neste meu frágil sentir, resumindo-me a uma cicatriz sem dono.
Sou livre de vontades, livre de nomes, mas certo na dor estilhaçada entre vidros na garganta. Modéstia cruel, tanto abre-me como a chave de todas as portas, vestida a veludo e sem lugar onde dormir, como me beija os restos da gentileza de quem crava os pés à calçada, a inveja à relembrança do som do frio, o dar de mãos à ancora que nos prende na nossa prévia existência. Pára de me envenenar! Por favor, suplico-te sobre os meus braços abertos e coagulados. Apenas beija-os! Não me faças sentir nos lábios a dor daquilo que não me deixam sentir.
Sou livre de vontades, livre de nomes, mas certo na dor estilhaçada entre vidros na garganta. Modéstia cruel, tanto abre-me como a chave de todas as portas, vestida a veludo e sem lugar onde dormir, como me beija os restos da gentileza de quem crava os pés à calçada, a inveja à relembrança do som do frio, o dar de mãos à ancora que nos prende na nossa prévia existência. Pára de me envenenar! Por favor, suplico-te sobre os meus braços abertos e coagulados. Apenas beija-os! Não me faças sentir nos lábios a dor daquilo que não me deixam sentir.
Quem parte desta árvore sabe que a estrela no topo é a agonia iluminada. Toca como um sino de criança quebrado, amaldiçoado às prestações de Dezembro, e violado por sete pecados decapitados. A desilusão embrulha-se com lindos laços, mas as janelas dos outros são uma miragem distante de sentir. As cabeças deles flutuam nas letras que vejo cantar.
Amo este fim, admito e admiro. Certamente estou mais do que morto do que nunca e nunca estive tão rodeado por vivos em decomposição. Lamento-lhes o respirar petrificado, o prefácio prometedor das causas sem sentido, da terra descoberta ao acaso pelos viajantes sem rumo. Aceno-lhes, ironicamente do jeito que sou reles, sobretudo pelo conto do velho de barbas brancas. Ensinaram-lhes as primeiras palavras do epitáfio do 'final feliz', triste como o amor de genro cantado a fado, contributário da causa abaixo de sete palmos de terra, e o ódio de mãe, da verdadeira miséria cantada. Porque são todos eles iletrados?
Apenas sonha-o como eu esta noite, como esse epitáfio de sangue feliz o é. Mente porque só veste cores pela sua própria capacidade de se destruir, enquanto me espera naquele velho terminal. A par da estação dos estilhaços, na sinfonia ferroviária do corpo cortado em pedaços: formam-se sirenes no céu, esquarteja se a carne bem junto à terra. E de que adianta ali gritar? Quem o faz apenas fica de boca aberta aos nossos olhos. Estamos surdos de mais para existir.
Vermelho, azul, vermelho, azul... Marca a textura do asfalto enquanto anónimos carregam macas de quem nunca foi perto de si mesmo. Restam cinzas... Resta vento...
Começam-se a sepultar os acordados e deixam-se os mortos apreciar o luar. E eu que sinto-me parte de ambos? Apenas me tornei causa triste, afogado na vida onde todos pensam ter um bom motivo para respirar.
O sangue escorreu todo no vidro (Posso fingir espanto?)
Tudo se perdeu ao atravessar a extensão que nos reflecte, como a cobra que raspa as pedras, e nada do que trespassou consegue mais sentir o odor das flores mortas que depositam na minha sepultura. Ficaram sepultados nos sonhos, em vala comum de peles e caveiras, todo um conjunto de vontades que derramaram e coagularam a experiência mais bela das mentiras desta vida: Os estilhaços da nossa personalidade. A alma corta os pés descalços daqueles que caminham a miséria de viver, como o dogma reles da religião, ou como o deus prostituta que varre as ruas do céu e no domingo se veste para orar a sua falta de existir.
Quem és? - Pergunta-me o último anjo de pedra a meu ombro.
"Ser algo é, na verdade, um diluvio de frases bem escritas. Um apelo acenado na beira de um sereno afogamento de um vaso, onde se semeia um cliché bastante determinado a ser rosa sem espinhos.
Quem verdadeiramente pretende conhecer alguém deve, sobretudo, o procurar entre as esquinas de jornais sujos onde dançam as inquisições poéticas entre vagabundos.
Até porque definir algo é uma tentação sem fim, um jogo seduzido pelo ego e a sua dança, um erro determinado pela verdade.
Como uma vez escrevi, numa carta remota dos tempos, todos somos uma eternidade perpétua irresponsável: Eternity is only a challenge for the ones who know mortality.
We, the Vampires."
Cito-me e calo-me de vez. Estou cansado, demasiado cansado. O sono é uma farsa que só me sabe assustar.