Coração-Lâmina. Tanto lhe queres tocar, só a sabes magoar.
Já devias ter aprendido comigo: Ambos ficamos tristes por sermos este triste fim, este sonho que nunca saberá o que é encarnar a realidade.
Bates no vazio contra o vazio. Dói-me bem no fundo da alma ter-te dentro de mim, e em nada poder te ajudar.
Quem te mandou ser verdadeiro?
- Do!
Sobre as margens do
tempo, num paraíso distante, nascera das flores a mais bela criatura de
espinhos. O seu nome, sussurrado pelas pétalas, harmonizava com o mundo a união
da despedida, a certeza dos ponteiros que escorrem pelos rios e o vazio que transborda
ventos subtis do seu entendimento. Ela, sem obrigação de ter um nome, sabe-se
pela sua voz de anjo nos arredores de Éden,
e pela queda adormecida nas orquídeas vermelhas que, no maior entendimento de
quem não se marca em palavras, lhe contaram a existência do inferno. Este,
narrado a fogo e sete chaves em brasa, nasce como o verdadeiro e tenebroso
espinho, aquele que sangra quando lhe tocam como a menstruação dos anjos em
terras alheias e, pinta o céu de escarlate quando as pessoas o deixam de admirar.
Os fornos da tentação divina.
Nestes arredores perdidos
do esquecimento o tempo passa debaixo de três sois dormentes. Sem pestanejar, a
lua-apaixonada, que se perdia na sua falta de tempo, perguntava-lhe, a Ela, ao
ouvido, se o chão era bom de caminhar. Fantasiava em dar-lhe a mão, mostrar-lhe
a escuridão mais nobre e o compromisso de estar amarrada ao seu próprio eixo.
Mas as terras de nevoeiro ensinaram a cegueira à velha mancha branca do céu
nocturno, como uma tristeza espalhada pelas estrelas que apenas ficam perto
desta nos olhos de quem a vê com os pés assentes na terra. A lua-apaixonada
tornou-se a fantasia dos loucos, o intocável prazer de quem se olha a milhões
de quilómetros: Ela não acreditava na distância que nos separava, afinal de
contas todos partilhávamos a mesma lua.
O sol sempre lhe fizera tentação
sobre as pequenas palavras perdidas que deixavam em claro sobre os dias, e
sobre os segredos que sussurravam sobre o passar da noite.
A tristeza, amarrada a correntes
ferrugentas sem pontas, arrastava-se como a som do vento sobre as ervas perante
tal solidão. Nada a levava até ela, nada a fazia ser real. Por isso no
florescer de uma noite fria nasceu o crucifixo lunar sobre Ela, como o último
abraço de despedida desalmado, e tudo colapsou dentro da lua-paixão. O céu
escarlate fez-se nos olhos de quem a entendia, ninguém, e as estrelas
pintaram-se de luto na noite mais escura da minha imaginação. A lua-paixão
tornou-se a lua-morte, e com ela todas as estrelas morreram, ficando apenas a
luz que viaja até aos nossos olhos. Na verdade elas já não existem… Por isso, podemos
dar as mãos e contar até à última luz no céu deixar de brilhar?
A vida nunca mais foi a
mesma.
Os tempos choram relâmpagos de dia
sobre o que não podem mais esconder na noite. E Ela continua a caminhar sobre
aquele oásis perdido de mãos dadas com as dioneias do fogo. O céu gelou, o
musgo tornou-se nevoeiro e as árvores estão cheias de cicatrizes.
Encontraram-se como Outono e ambos caíram de joelhos aos encantos do Inverno.
- Do! Não como nota musical, Ela
aprendeu o dó de si mesma. Um dia o paraíso distante, outro o inferno repleto
de ecos. A sua voz desaparecera, juntamente com o seu chão, e ela caiu no
verdadeiro inferno que sempre evitou acreditar. A Terra.