“Time flows in the same way for all human beings; every human being flows through time in a different way.”
Yasunari Kawabata

Do (Re, Mi)

Coração-Lâmina. Tanto lhe queres tocar, só a sabes magoar.
Já devias ter aprendido comigo: Ambos ficamos tristes por sermos este triste fim, este sonho que nunca saberá o que é encarnar a realidade.
Bates no vazio contra o vazio. Dói-me bem no fundo da alma ter-te dentro de mim, e em nada poder te ajudar.
Quem te mandou ser verdadeiro?


- Do!
Sobre as margens do tempo, num paraíso distante, nascera das flores a mais bela criatura de espinhos. O seu nome, sussurrado pelas pétalas, harmonizava com o mundo a união da despedida, a certeza dos ponteiros que escorrem pelos rios e o vazio que transborda ventos subtis do seu entendimento. Ela, sem obrigação de ter um nome, sabe-se pela sua voz de anjo nos arredores de Éden, e pela queda adormecida nas orquídeas vermelhas que, no maior entendimento de quem não se marca em palavras, lhe contaram a existência do inferno. Este, narrado a fogo e sete chaves em brasa, nasce como o verdadeiro e tenebroso espinho, aquele que sangra quando lhe tocam como a menstruação dos anjos em terras alheias e, pinta o céu de escarlate quando as pessoas o deixam de admirar. Os fornos da tentação divina.
Nestes arredores perdidos do esquecimento o tempo passa debaixo de três sois dormentes. Sem pestanejar, a lua-apaixonada, que se perdia na sua falta de tempo, perguntava-lhe, a Ela, ao ouvido, se o chão era bom de caminhar. Fantasiava em dar-lhe a mão, mostrar-lhe a escuridão mais nobre e o compromisso de estar amarrada ao seu próprio eixo. Mas as terras de nevoeiro ensinaram a cegueira à velha mancha branca do céu nocturno, como uma tristeza espalhada pelas estrelas que apenas ficam perto desta nos olhos de quem a vê com os pés assentes na terra. A lua-apaixonada tornou-se a fantasia dos loucos, o intocável prazer de quem se olha a milhões de quilómetros: Ela não acreditava na distância que nos separava, afinal de contas todos partilhávamos a mesma lua.
O sol sempre lhe fizera tentação sobre as pequenas palavras perdidas que deixavam em claro sobre os dias, e sobre os segredos que sussurravam sobre o passar da noite.
A tristeza, amarrada a correntes ferrugentas sem pontas, arrastava-se como a som do vento sobre as ervas perante tal solidão. Nada a levava até ela, nada a fazia ser real. Por isso no florescer de uma noite fria nasceu o crucifixo lunar sobre Ela, como o último abraço de despedida desalmado, e tudo colapsou dentro da lua-paixão. O céu escarlate fez-se nos olhos de quem a entendia, ninguém, e as estrelas pintaram-se de luto na noite mais escura da minha imaginação. A lua-paixão tornou-se a lua-morte, e com ela todas as estrelas morreram, ficando apenas a luz que viaja até aos nossos olhos. Na verdade elas já não existem… Por isso, podemos dar as mãos e contar até à última luz no céu deixar de brilhar?

A vida nunca mais foi a mesma.
Os tempos choram relâmpagos de dia sobre o que não podem mais esconder na noite. E Ela continua a caminhar sobre aquele oásis perdido de mãos dadas com as dioneias do fogo. O céu gelou, o musgo tornou-se nevoeiro e as árvores estão cheias de cicatrizes. Encontraram-se como Outono e ambos caíram de joelhos aos encantos do Inverno.
- Do! Não como nota musical, Ela aprendeu o dó de si mesma. Um dia o paraíso distante, outro o inferno repleto de ecos. A sua voz desaparecera, juntamente com o seu chão, e ela caiu no verdadeiro inferno que sempre evitou acreditar. A Terra.


Nota: Tornar perfeito. Por/para Ela.