Fico-me pela sedução do fim desta linha, não em rumo ao vazio, mas ao rumo ao descanso. A verdade da minha alma cancerígena prende-se apenas a três abraços que dei em toda a minha vida.
Restam-me as ultimas horas da escrita transbordada pela dor, aquela que me fulmina nas noites em que estás sem estar, e a física, menos importante, sobre o descanso dos meus lençóis doridos.
Hoje, ontem, sempre, na mais lamentável hora de fim de tarde, emergi em asas num raio de luz sobre a escuridão que cerrou sobre mim. Soube-me por vontades de algodão, destes ultimatos em dias de lágrimas e noites sem conhecer o que era dormir, que o caminho tem que se percorrer mesmo que lhe quebrem os pés. Hoje, mais do que nunca, soube-me, face aos olhos da plateia, na devoção daquilo que me cravam por vocação. Apareço, conquisto, morro. (Na verdade sou apenas um cadáver conquistador que conta as horas com os dedos para o regresso ao caixão.)
Tudo faz-se na dança das palavras, um véu em rumo desta solidão onde me tornei cativo. Os aplausos apenas fazem eco nas paredes se eu viver dentro delas, e como isso não acontece, a admiração que alguns sentem por mim é como a árvore que cai sem ninguém a ouvir. Como se nunca tivesse acontecido.
Mas façamos destas ondas um mar onde posso molhar os pés, hoje, pelo agrado. Desde que montei esta casa, provavelmente aquela que mais me apaixona tanto a nível estético ou de conteúdo (talvez o Ater Somnium tivesse sido um bom adversário), que sinto que parte do que sou floresceu num adversário de mim mesmo: Umas mortes pelo caminho e redefinições deste conceito abstrato que é viver. Por isso hoje dou-lhe um repouso, um fim temporário pelo amor-agonia que tenho sobre tudo isto.
A casa que me trás estas tristes e inúteis palavras também é a casa que choro sem medo de o fazer. Porque quando sou transparente com uma das poucas pessoas que o posso ser, sinto-o que o sou em demasia, como uma inutilidade que se pode atravessar e não vive ali nada para roubar. Gosto que me roubem, longe de mim, distante onde a vida se apaixona.
Por mais que saiba que exagerei em tempos, com estes olhos dementes, nas ruínas que insisti serem castelo, e amava-o, de forma intranquila, sem sentido, quando na verdade eram ruínas. A verdade é que me tenho apegado aos anjos desse fim, à pedra morta e mais trabalhada do que o próprio universo nas mãos de um deus. Afinal de contas nada é perfeito.
São precisos quatro anjos para levantarem este túmulo, apenas preciso de um para nele repousar.
Não me consigo incomodar mais com as despedidas, excepto a tua. São como uma beleza lançada ao vento, aquela que jamais volta, aquela que nos apaixona antes de partir. Mas ela não se perde. Embora morra para nós de alguma forma, o mundo contamina-se pela paixão perdida, pelas pedras mortas com belos nomes cravados no avesso do que sentimos.
Sentir aquilo tudo que nos passa, ou as velhas frases que a minha mãe me dizia, sempre me ensinaram desde criança que as despedidas são algo triste. Adeus torna-se a palavra de quem jamais não se quer voltar a ver.
É por tudo isto que o facto de estar a ser filmando não é motivo de sorriso, mas sim de lágrimas até que os amores caiam de joelhos sobre a redundância que se tornou o grito desta noite vazia da minha vida.
Por instantes parecia um feliz insano a escrever sobre suicídio. Até ter de admitir que há dentro de uma tristeza asfixiante que surpreendeu-me pelo silêncio do conforto humano e que me deixou de mãos atadas a uma falta de vontade de algo que não posso ter, nem sequer faço questão de pedir, ou sonhar.
Mãe, depois destes anos de silêncio, algum dia imaginaste o teu filho perguntar-te se estas pronta para o ver morrer aos teus pés?
Que o cancro para sempre nos separe.