“Time flows in the same way for all human beings; every human being flows through time in a different way.”
Yasunari Kawabata

Parisienne Moonlight

Oh, Lifelover...

A aura gela-nos neste palco abandonado onde todos escorregam a boa figura. Toca o sonho detonado, e tornas-te na própria queda, o vulto das cenas mal interpretadas deste fim, deste falhanço vivido e sofrido até ao ultimo suspiro. Resta-te a cortina vermelha, rasgada como as linhas inexistentes que esqueceste-te de me dizer, e toda a obesidade mórbida de coisas más que trespassam a actuação. Honra o cerco próprio no sentimento dedicado e na contaminação dos aplausos cínicos, pintados no sorriso dele sozinho na plateia. Grito-lhe:
"Pagaste um bilhete caro de mais para uma vida que não sonhaste!"
Mas ele entra como actor principal, o reles vagabundo sem palco, e com as estrelas na mão queixa-se de não saber aproveitar a terra dos seus pés. Naquela ilusão do olhar de Natal, a dança da vergonha de este apenas ser uma relembrança anual e temporária naquelas ruas cujo nome não conhece a coragem da prenuncia.
Mas se a riqueza te conforta, eu conto-te a história!

As noites eram uma dança fria, um sorriso desperto do medo da partida, e todas as janelas tremiam ao luar. Os ratos, do tamanho de gatos, faziam-me peso aos pés, como pequenos animais de estimação. Ali ninguém vive, sem casa de banho, ali ninguém conhece o banho, não existe clareza para além da transparecia limpa da falta de sonhar.
Os dias eram uma dança morta, um contar de desespero e uma vergonha inocente da casa de onde se vivia. O seu tecto parecia cair, as portas abriam fissuras como janelas para um mundo onde ninguém podia sonhar. A tristeza passa por ser uma leveza frágil quando a miséria fez-nos crianças e o sangue adultos. Tudo bem ali, ao olhar de todos aqueles que não sabem o que é o Inferno das noites geladas de um menino com frio.
O cabelo sempre me caiu como ilusão, uma imagem de mim que não existe, e um suicídio escrito ao espelho com a sensualidade do batão e a tristeza do vidro estar estilhaçado.
Sei-me ver pelo que pinto de mim, os meus olhos são intolerantes ao reflexo.

Por isso subo esta noite ao palco sozinho e sem mais vontade de te ver, e desta vez sem vergonha, para exclamar a minha culpa nesta inocência!
Calem-se todos, por favor. Cortem-me o elenco, da minha própria alma, e matem-me aos olhos de todos naquele aceno disponível na ultima radiografia que a mão quebra! Apenas tenham respeito enquanto o sino toca pela ultima vez.

E se eu quiser partir?
Corro a gritar: Censurei-me! Censurei-me mais uma vez!
Cortei-me aos pedaços nas palavras que não quero que leias, nas virtudes apaixonadas que se enforcaram nas árvores do teu próprio esquecimento. Perdes tempo de mais a ver as folhas cair para reparares no cadáver que lá balança ao vento com vontades coaguladas e raízes crucificadas.
Não o vou explicar, porque neste pântano da mesma velha tradição ninguém mais se dá ao luxo de sentir isto mais uma vez. Uma vez, talvez três, seria uma demasia consentida, um vibrar de vulcões que cospem gelo e nos petrificam em sentimentos de desespero algures no magma mais cru do coração.
Cravo-me, a fogo e gelo de mãos dadas, pelo baixinho da memória em sussurro, o vento cantando os horrores escritos na velha carta-hemopraga que tanto me abriu os pulsos e de lá tudo encontrou o fim, e o suicido-amor inspirado nas sinfonias-lâminas sem nome com rosto facilmente traçado.
As casas não exigem explicações, nem sequer diálogos por cortesia.  Erguem e caiem, bem ao jeito de como adoro me perder entre os labirintos de vento quando viajo numa folha de arvore ao teu encontro.

Apenas espreita pela porta...
E se tencionares partir outra vez, por favor, nunca mais voltes.
Paris chama-me sem saber o meu nome e diz-me, pela ultima vez, que não faço mais parte do presente.

Aprendi a estar calado e olhar para os lugares onde sou feliz, de mãos esticadas, sem qualquer hipótese de algum dia lá viver. Por isso enterra-me, vivo ou morto, com as tuas próprias mãos à porta dos meus sonhos. Talvez um dia ouça os pés de outros caminharem sobre as mármores dos sonhos intocáveis que, um dia, farão as minhas cinzas chorar.