Sinto-me de bico de pés algures onde as agulhas crescem de mãos dadas com as feridas. Infectadas, as manhãs erguem-se como um pequeno sufoco espinhoso, e as faltas ao rasgar a garganta, deixam-me as artérias e veias com espinhos de rosa, em que todo um complexo simbólico incapaz pesa nas feridas que a dor tenta se evitar. Está tudo na cabeça, até a contagem decrescente do detonador.
Faço-me natureza dos olhos de quem me olha à medida do que me vou deixando embalar pelo relógio travado que se acerta em nos segundos dentro mim. Fuso horário dos trapos da alma, condensado das almas incompatíveis pelas viagens do tempo reprimidas no horizonte tardio, ali se entalam com a existência do reflexo da tristeza num espelho onde esta não se consegue ver. Escorre, como uma tatuagem de dor permanente e invisível nas feridas escondidas das minhas costas rios de poemas em nome de tudo o que em tempos irá partir.
Por isso me deito no chão a ver a lua sabendo do solo avermelhado onde me deito. Na noite, a cara metade ou a mais afastada que fica nas suas avessas, situa-se na solidão de dois pontos distantes rumo à felicidade condicionada por prestações a um senhorio que já faleceu. Dançando a dois pés a união da melodia calma de quem não pode nada dizer e tudo pode prometer (cumprir é apenas um aceno no horizonte). Assim faz-me dança imóvel do olhar, um derreter barreiras da pequena distância desta grande geografia das massas.
É aqui que me grito em honra do vento que respiras algures. Ao ar que abraça os desejos humanos de quem amo até chorar sangue e de quem odeio nestas veias espinhosas. Se o tempo faz-se caminho, os meus pés fazem-me céu intocável até pela própria chuva, até porque ninguém aspira a ser deus sem antes conhecer a crueldade e solidão.
As manhãs tristes dizem-me para gentilmente me matar e as noites relembram-me que amanhã volto a acordar neste jardim de espinhos. Não faço das minhas garras fruto destas raízes, o desespero, o horrível desespero, adormece-me no fundo de um posso sem fim onde vive dentro de mim o fantasma da criança assassinada nas traseiras desta velhinha despedida.
Eu choro todos os dias, como criança, como homem, e ultimamente mais como mulher. O orvalho de sangue deste jardim: Por ela, por ti e pelas cicatrizes que o tempo cravou neste meu aluguer. Como um desconhecido carinhoso me ensina as lições da imperfeição, e me trai do derrame interno de sentimentos e da inalação da censura de tudo o que posso tentar dizer.
Nada te digo. Conto os grãos da terra onde sei que um dia vou cair sem mais me levantar. Hoje a noite chora.
Posso ser literalmente filho da puta, mas não creio que ninguém tem o direito de me o dizer como tratado. Muito menos me o tornar. Sou dor, mas não sou o que eles me querem tornar, por isso aceno-lhes e finjo sorrir, dizendo-lhes ao ouvido: Bonjour Tristesse.