“Time flows in the same way for all human beings; every human being flows through time in a different way.”
Yasunari Kawabata
A luz degrada-me os pensamentos e o corpo.
Não o forço comigo mesmo porque não pretendo ser uma imagem forçada de rebeldia, ou exclusão demarcada da diferença, mas sim pela letargia que a definição e clareza do dia me embala.
Certamente que não é de todo minha ideia cultivar uma imagem agressiva e devoradora de corações no escuro, porque a minha alma, embora inacessível, veste a pureza da simulação humana inspirada na timidez e todas as vestes nobres da aura meiga.
Por mais que as ventanias sejam fortes, e o meu corpo bem o tem sentido ultimamente, as minhas certezas que restam projetam-se apenas num mar de deuses mortos, reinados pelas descrenças tranquilas dos seus julgamentos e pela deriva dos cantos que correm, em direções opostas, no centro de mim mesmo.
Tenho passado demasiadas horas a visitar cemitérios. Não cultivo o dom do ritual nem do vandalismo. Apenas alimento o meu ego com as flores da descrença, as velas diurnas, e as centenas de rostos que nada me dizem mas tudo lhes entendo.
Alinho-me ao nível dos mortos a cada degrau que desço. Ninguém está no céu...
Contento-me com as datas, com as minhas contas e as idades de quem partiu. Não posso chorar pelos meus, mas tento ter pena da humanidade que nunca tive oportunidade de conhecer.
O meu epitáfio vai-se escrevendo no céu todas as noites enquanto todos dormem.