“Time flows in the same way for all human beings; every human being flows through time in a different way.”
Yasunari Kawabata

A Metamorfose do Infinito

I

Há muito que o vento sopra e a sua devoção se esbate contra as pedras que fui deixando para trás. Há muito que elas, imóveis, vêm todos os seus contornos serem formados, reformados, e desfigurados pela fúria de algo que não pode verdadeiramente lhes tocar.
Sopra a seus ouvidos e mesmo no ruído mais profundo as entende por surdas. Abrigando-as como a maior das sedes que a fartura lhe pode dar.
A verdade é que nada disto deveria pesar. São pedras soltas, no máximo são estátuas formadas.
Pesam como jardins cheios de espinhos de pedra e esperanças deformadas por fontes que se renovam na sua própria podridão. Tresandam ao doce cheiro da morte, o cheiro do perfume que paira no ar quando ela tenta escapar dela própria, deixando para trás um rasto de agonia sintonizada na própria deriva de não se reconhecer num momento de estranheza que é este de viver.
Sintoniza-te alta pois eu sintonizei-me com os pés demasiado à frente e para trás já não posso ver. Voltei costas, depois de tanto caminhar, para encontrar o espanto de um mero um sorriso distante que estalou como trovão num cimo demasiado alto até para os meus olhos ver. Tudo é do perdido, mas o perdido não é mais de ninguém.  Nas mãos dele tudo é cosido na carne e é tatuado no nosso avesso propositadamente para sentir. A pele rasga quando o esqueleto não mais o pode ouvir.
Infelizmente os ossos são fracos. Quebrados e tatuados por fracturas de todos os momentos que a vida nos foi capaz de sorrir. Estando com as pernas partidas, só agora percebi que carrego montanhas às minhas costas, amarradas à dor que se ergue ainda mais alto segue na minha frente, onde há apenas uma estátua com mil faces. Mil faces essas esculpidas a tristeza de todas as pessoas que amei mas que jamais serei capaz de amar.


II

Os anjos estão ao alto e os seus pés são de pedra.
Como é que um pouco de insanidade pode ser suficiente para justificar a recusa ao respirar?
O suicídio veio-se dentro dela, mas isso nunca foi motivo para engravidar. Até porque fecunda é a dor que se jorra pela pedra, tantos nas expressões cravadas nas memórias, como nos sentimentos forjados a martelo daquilo que o próprio tempo deixou. Abraçando, por fim, a erosão de tudo o que o intocável consegue causar.
O que resta em mãos?
Poeira de um céu que nunca chegou a brilhar.


III

A saudade é uma dor que a língua desconhece.
É uma fala que todos entendem mas ninguém a consegue traduzir.
É uma tempestade que cai mas nada consegue encharcar.
A saudade é uma arma que dispara, fere, deixando agonia pois não é capaz de matar.

Enquanto nos arrastamos, os sinos tocam todos os dias por nós.
Eu amava-a com a subtileza que na morte o som assim pode ser. Sabia a cada toque que a saudade um dia poderia apertar. Sabia que cada riso entoava a agonia mais na minha cabeça do que nas paredes poderia entoar.
Deixo-a sem nome, nesta fotografia onde o seu rosto hoje é difícil de reconhecer. A fotografia de quando tinha todos os mais nomes belos eram um bonito adereço para chamar. Deixo-me surdo, com a tristeza que a sua voz apenas será mais uma pedra para o vento levar.

Levanta-a até ao cimo da maior montanha que fica lá no ponto mais alto para o "eu" sentir.
Coroando um crucifixo que se ergue ao alto na ponta mais alta do meu pensamento. E o pior é que eu morro como todos os outros quando o último degrau para este caminho sem saída se formar. A diferença é que será já um pouco hoje. Outro bocado amanhã.
As minhas escadas são os meus próprios pés, feitos de incline para cima me sugar.